quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Recordar é Viver (Hora do Curta)

Essa reportagem saiu na Revista E. Foram quatro páginas dedicadas a nossa programação.


Série de documentários sobre grandes escritores brasileiros, realizada pelo cronista Fernando Sabino e o cineasta David Neves, mostra facetas inusitadas de gênios literários

Édifícil visualizar o poeta Carlos Drummond de Andrade, com todo o seu recato, brincando de esconde-esconde no prédio do Ministério da Educação. Ou o escritor Erico Verissimo fingindo ser um samurai que comete haraquiri, ritual suicida de guerreiros japoneses. Pois cenas como essas, retratando a intimidade de alguns dos maiores escritores brasileiros do século 20, foram capturadas e registradas em uma série de dez documentários produzidos, entre 1973 e 1974, pela Bem Te Vi Filmes - produtora que o escritor Fernando Sabino e o cineasta David Neves fundaram. Realizados em 35 milímetros e com dez minutos de duração cada um, os curtas-metragens revelam facetas inusitadas do ser humano comum que residia nos expoentes da literatura brasileira perfilados na série. Esses documentários, compilados em DVD com o título geral Encontro Marcado com o Cinema de Fernando Sabino e David Neves - referência ao romance Encontro Marcado, de 1956 -, lançado no ano passado pela gravadora Biscoito Fino, puderam ser vistos durante o mês de maio no Sesc Santo André, como parte do projeto Hora do Curta, que pretende criar uma atmosfera de cinema dentro da sala da internet livre. "A nossa idéia é fazer com que as pessoas que assistem aos curtas se habituem à linguagem cinematográfica e tomem gosto pelo cinema", explica o técnico da unidade Rafael Spaca.A série homenageia, além de Drummond e Verissimo, personalidades do mundo literário que vão dos romancistas Guimarães Rosa, Jorge Amado e José Américo de Almeida aos poetas Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira. Completam o quadro das letras o memorialista Pedro Nava e o intelectual Afonso Arinos de Melo Franco (veja boxe Time de bambas). Do conjunto, dois filmes não foram produzidos pela dupla que organizou o projeto. "Como o Bandeira já havia morrido, e o filme que o Joaquim Pedro de Andrade fez sobre o poeta era muito bom, o David e o Sabino compraram-no e o incorporaram a essa série", explica Mair Tavares, responsável pela montagem dos filmetes. Já o curta sobre João Cabral foi, de acordo com Tavares, feito por Jorge Laclette. "E esse foi o único que não montei", afirma. O DVD traz também um documentário extra com depoimentos sobre Fernando Sabino, morto em 2004, dirigido pelo filho, Bernardo Sabino. "Sempre quis fazer um registro sobre a vida do meu pai, pois ele foi muito cético quanto a fazer filmes sobre si mesmo. Então, filmei Encontro Marcado com Fernando Sabino", diz Bernardo. O diretor relata que a proximidade do pai com os perfilados foi muito importante para o resultado dos trabalhos. "Foi fundamental o convívio de amizade do papai com esses grandes escritores, assim pôde tirar a intimidade deles que ninguém conseguiria tirar", diz.

As várias facetas de SabinoFernando Tavares Sabino (1923-2004) nasceu na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Mais conhecido por escrever crônicas e romances, Sabino sempre foi jornalista. No entanto, seu desejo era ser músico de jazz. Sonho que conseguiu realizar como baterista do grupo Remblers Traditional Jazz Band, no qual tocou até 2002, dois anos antes de morrer. A estréia no cinema ocorreu em 1971, com o documentário O Dia de Braga, sobre o amigo e também cronista Rubem Braga. "Acho que a inquietação dele era tão grande que precisava partir para outras artes, por causa da ansiedade de criar", avalia Bernardo Sabino. "Tanto é que ele foi músico. No caso dos filmes sobre os escritores, acho que é um pouco isso: ele conseguiu transformar sua rotina de trabalho no seu sonho de fazer cinema."Essa busca de fusão de linguagens sempre esteve presente no trabalho de Sabino como cronista, em que fundia o traço poético à narrativa. E, segundo especialistas, isso também se deu nas obras cinematográficas. "Ele apresentava uma prosa poética em vários momentos de suas crônicas. E também encontro esse lirismo nos seus documentários, quando ele mostra os escritores ali, na vida corriqueira, na companhia das pessoas que ama", analisa a professora titular emérita de literatura brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Letícia Malard. Além do lirismo, a inovação é outra particularidade do cronista, que se dedicava a várias formas de expressão. É justamente disso que o dramaturgo Alcione Araújo fala no documentário Encontro Marcado com Fernando Sabino. "As pessoas eram mais exclusivas, mais especializadas. E ele foi rompendo com isso", explica. Araújo vai mais fundo no perfil do documentarista que soube tão bem retratar os amigos, ao relacionar a personalidade literária de Sabino com sua postura cotidiana. "Sabino não falava de literatura. Ele falava da vida, da importância da vida e da alegria de viver.".

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